terça-feira, novembro 27, 2007

Cabo Verde: um pé na África e outro na Europa



PARCEIRA ESPECIAL ENTRE CABO VERDE E UNIÃO EUROPEIA É UMA REALIDADE


Ontem foi um dia que consideramos ser histórico para Cabo Verde. Esperemos que, futuramente, venha a ficar claro que este dia é histórico para o arquipélago. Cabo Verde viu ser concretizado a sua aspiração de alcançar um Estatuto Especial junto da União Europeia, sem que a maioria das pessoas saibam realmente o que isso significa ou em quê é que vai se traduzir. Tenho por mim que será coisa boa e que, a devido tempo, todos havemos de saber em quê que podemos contar com a Europa e o que é que temos para oferecer ao velho continente.
De facto, para traz, acho que não vai nos levar, até porque comungar os valores da Europa leva-nos a aprofundar os caminhos do respeito pelos valores supremos do homem, como o assegurar das liberdades humanas, o aprofundamento da democracia, a construção de uma sociedade assente na defesa dos direitos do homem. Por isso, este passo torna cada vez mais distante o passado triste da colonização e a própria crispação social que se registou durante o regime de partido único.

“…o país pode viver sem um ou outro partido. Mas, nenhum dos partidos sobrevive sem o país”

Há uma coisa que tenho que assinalar neste momento: a maturidade mostrada pelos principais partidos do país. Realmente, a parceria especial com a União Europeia não é do MpD, nem do PAICV. É de Cabo Verde. Quem tem que ficar contente com este passo alcançado é o cabo-verdiano, entendido na sua indivisibilidade, independentemente de uns poderem ser do MpD, do PAICV, da UCID, do PTS, do PSD, do Movimento para a Vida ou de qualquer outra estrutura partidária. Gostei de ver, particularmente, o Eng.º Jorge Santos, líder do maior partido da oposição, a felicitar o país pela parceria conseguida. Da mesma forma que gostei de ver o Primeiro-Ministro a viver o momento com alguma serenidade, não levando as coisas para o campo partidário. Realmente, o momento é de todos. De todos quanto fazem parte das nossas ilhas. É da diáspora também. De todos os cabo-verdianos, estando onde estiverem. Quem não quer ver o seu país a andar pelos caminhos do progresso? Creio que só aqueles que têm algum ‘parafuso’ solto dentro da cachola.
É natural que os líderes lutem pelo protagonismo do seu partido, até porque lutam para tirar eleitorado um ao outro. Mas, mostra-se alguma seriedade institucional quando se começa a unir esforços em torno dos objectivos principais do país. O caminho é mesmo este: os cabo-verdianos unirem-se em tornos de questões vitais para o país. Há que meterem uma coisa na cabeça: o país pode viver sem um ou outro partido. Mas, nenhum dos partidos sobrevive sem o país. Afinal, muito o povo sofreu até chegarmos onde estamos. Não esquecemos da fome de 47 e de tantas outras fomes que cercou o nosso povo com a morte, tendo Salazar receitado ao então Governador da Província de Cabo Verde que abrisse os cemitérios. Essa era a única solução que o regime tinha por aqueles que considerava ‘gentes menores’, obrigando alguns poetas, como Ovídio Martins, a gritarem ao mundo que ele – o mundo – tinha dado costa às nossas gentes, que ficaram abandonadas à beira-mar feitos ‘flagelados do vento leste’.

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!

A nosso favor
não houve campanhas de solidariedade
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternamente para nós

Somos os flagelados do Vento-Leste!

O mar transmitiu-nos a sua perseverança
Aprendemos com o vento o bailar na desgraça
As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos

Somos os flagelados do Vento-Leste!

Morremos e ressuscitamos todos os anos
para desespero dos que nos impedem a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
num desafio aos deuses e aos homens

E as estiagens já não nos metem medo
porque descobrimos a origem das coisas
(quando pudermos!…)

Somos os flagelados do Vento-Leste!

Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos
E as vozes solidárias que temos sempre escutado
São apenas
as vozes do mar
que nos salgou o sangue
as vozes do vento
que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
e as vozes das nossas montanhas
estranha e silenciosamente musicais

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!


(Poema de Ovídio Martins)